Repensar o processo projetual para sustentabilidade em arquitetura

Questões ambientais se colocam como o grande tema para a arquitetura há alguns anos. A iminente escassez de recursos naturais e a conscientização acerca dos danos ambientais da indústria construtiva têm forçado o campo profissional a posicionar-se e desenvolver soluções que mitiguem o impacto da área de atuação no planeta. O desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitam materiais mais sustentáveis é fundamental, mas esse incentivo pode (e deve) partir do ponto inicial da prática arquitetônica: o projeto.

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Em termos práticos, é possível aplicar os conceitos de economia circular na construção. O conceito que se anuncia na arquitetura é aquele onde os materiais, resíduos e recursos sejam reaproveitados, e que seu uso seja duradouro e passível de reutilização no caso de desmontagem ou demolição. Materiais e processos sustentáveis diversos são explorados no campo da construção, embora sua aplicação ainda seja insipiente em escala global.

Parte do desenvolvimento e uso de materiais que possam ser reutilizados e reciclados dependem do investimento e pesquisa das empresas do setor da construção, portanto, é fundamental que os profissionais que os especificam exijam a sustentabilidade no processo construtivo. Esse posicionamento depende do estudo e cuidado com o contexto no qual se constrói. A inclusão de diretrizes sustentáveis na prática projetual é indispensável para a assimilação e demanda de tais preceitos no mercado da construção.


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Adobe, um material de baixo impacto ambiental. Parte da imagem do livro Herbert Baresch, O homem e o arquiteto. Imagem © Ignacio Gomez Pulido

Geralmente, as pesquisas de materiais sustentáveis e regenerativos desenvolvem-se dentro das universidades em parceria com algumas empresas, e – não é surpresa – provam-se mais econômicas e rentáveis. Além de diminuirem o impacto ambiental de construções, ou dar destino ao entulho ou lixo excedente, fomentam o que poderia ser encarado como uma “evolução” tecnológica, no sentido criativo de ampliação de possibilidades e soluções para determinados problemas. Nessa perspectiva, o ensino de projeto torna-se essencial na difusão e reforço de um pensamento ambientalmente responsável, o que (espera-se) levaria a profissionais mais conscientes e ativos na proposição e aplicação de tais soluções. Isto é, o período de graduação seria o ponto de partida mais propício para a inclusão do conceito de circularidade no processo projetual. Mas não o único.

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Regional House Edeghem / BC architects © Courtesy of BC architects

Os escritórios de arquitetura podem “fazer o papel” das universidades, e atuar em parceria com a indústria da construção para pesquisa e desenvolvimento de novos materiais. Esse tipo de associação já ocorre: Renzo Piano desenvolveu um tijolo de vidro especialmente para o projeto da Maison Hermès no Japão, para que a fachada envidraçada fosse resistente a fogo e terremotos. O caso da Maison Hermès não é necessariamente sustentável, mas serve como exemplo de projeto-pesquisa, o que parece fundamental para a exigência, desenvolvimento e aplicação da economia circular em arquitetura.

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Imagem © Cortesia de Sugarcrete™

É verdade que um escritório do porte de Renzo Piano Building Workshop permite uma atuação mais significativa junto a fabricantes para o desenvolvimento de um material novo. O ponto relevante do exemplo acima é que os escritórios não devem se isentar ou se colocar de fora das opções criadas para o mercado. Tampouco os clientes estão de fora desse posicionamento: é preciso que estejam de acordo com a exploração técnica e material que uma pesquisa como essa exige, e que também compreendam seus futuros imóveis como contribuintes ambientais, ou seja, que tenham ciência que as construções que encomendam têm maior ou menor impacto no planeta.

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Campus da Universidade do Amazonas, 1970-1980. Image © Arquivo Severiano Porto

Outro aspecto das parcerias entre escritórios ou universidades ou ambos com indústrias da construção é o tempo de pesquisa e prototipagem. Normalmente, prazos são altamente restritivos para que se crie um material novo e respeitoso ambientalmente. Por isso a profusão de iniciativas parece tão significativa. À medida que novos materiais tenham desempenho comprovado, sua disponibilidade no mercado poderia atender a novos projetos sem que isso implicasse necessariamente no desenvolvimento de um tipo de material para cada caso. A especificação de materiais sustentáveis já disponíveis mas sem difusão comercial também é uma atitude relevante para a propagação do conceito circular.

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Espécie de granilite produzido com entulhos de obra. Imagem © Cortesia de RUÍNA

Ainda assim, a implantação de circularidade deve respeitar contextos particulares. Da mesma forma que escritórios de maior porte e com mais recursos financeiros podem investir mais em pesquisas e prototipagem, os materiais sustentáveis disponíveis no mercado encontram-se muitas vezes localizados sócio-geograficamente. Não se pode comparar (ou exigir) o desenvolvimento de materiais ou construções sustentáveis ou regenerativas na mesma proporção entre países do norte e sul-global. Para os países desse último grupo, que inclui o Brasil, talvez o desenvolvimento tecnológico ambiental seja mais lento por questões de precariedade social. Outras estratégias podem ser utilizadas – e que devem fazer parte do arsenal de soluções ambientalmente responsáveis também para o norte-global –, como a concepção de edifícios que se valham de ajuste de temperatura e ventilação passivos, ou do uso de materiais locais e naturais, repensando o próprio conceito do que se entende como durável.

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Pavilhão dos Trabalhadores / NO Architects Designers and Social Artists © Divya Rajesh

Em suma, a arquitetura responsável ambientalmente se demonstra pela coisa construída: o edifício erigido, inserido na cidade, composto dos materiais que lhe conferem forma, textura, cor. Contudo, até que se levante o volume no canteiro de obras, essas especificações passaram pela etapa do projeto – coisa imaginada. Repensar o processo de desenvolvimento do projeto significa repensar: é fazer um outro caminho de pensamento, considerar a futura construção – no momento, ideia –, sob outras perspectivas. Ainda que imóvel (no sentido de sem movimento), entendê-la como parte de um todo, portanto atuante (passiva ou ativamente) no ciclo de vida e morte do planeta.

Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Processo Projetual. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuição de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Helena Tourinho. "Repensar o processo projetual para sustentabilidade em arquitetura" 05 Ago 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1004000/repensar-o-processo-projetual-para-sustentabilidade-em-arquitetura> ISSN 0719-8906

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